sexta-feira, 1 de abril de 2016

Análise da letra Tropicália pelo próprio Caetano Veloso e outros estudiosos

O vídeo completo se encontra abaixo (só é possível assistir pelo computador, não pelo celular, por própria determinação do Youtube:

https://www.youtube.com/watch?v=DgbIHKDGu_M

Alguns trechos:


Análise da letra Tropicália de Caetano Veloso

Muita gente, por conta da abertura da novela Velho Chico, tomou conhecimento pela primeira vez da música Tropicália de Caetano Veloso. Que pena. Isso mostra que há toda uma cultura popular brasileira verdadeiramente esquecida, sobretudo pelas gerações mais recentes colonizadas pela televisão, no entanto valiosa e de nível internacional, superior a tudo que tem sido produzido no mundo.

Tropicália
(Caetano Veloso/arranjo: Julio Medaglia)
Disco: Caetano Veloso (1968)

"Pensando num velho samba de Noel Rosa chamado 'Coisas nossas', que enumerava cenas, personagens típicos e características culturais da vida brasileira [...] imaginei uma canção que tivesse temática e estrutura semelhantes, só que, como no caso de 'Alegria, alegria' em relação a 'Clever boy samba', não ficasse no tom simplesmente satírico e valesse por um retrato em movimento do Brasil de então."
Caetano Veloso, Verdade Tropical, 1997, página 184

"Com a mente numa velocidade estonteante, lembrei que Carmen Miranda rima com 'A banda' [...] e imaginei colocar lado a lado imagens, ideias e entidades reveladoras da tragicomédia Brasil, da aventura a um tempo frustra e reluzente de ser brasileiro."
Caetano Veloso, Verdade Tropical, 1997, página 184

"A palavra bossa, que já estava no samba de Noel (anos 30), se impunha, naturalmente (era claro para mim que ela
estaria, como em "Coisas nossas", no refrão da nova música), e sua rima com palhoça punha, mais do que a bossa nova, a TV do Fino da Bossa de Elis em confronto com uma população que mal deixava de ser rural. O Carnaval, o próprio movimento tropicalista (que então ainda não tinha esse ou qualquer outro nome,) a miséria e a opressão, a Jovem Guarda de Roberto Carlos, tudo teria lugar ali."


"A idéia de Brasília fez meu coração disparar por
provar-se imediatamente eficaz nesse sentido. Brasília, a
capitalmonumento, o sonho mágico transformado em experimento
moderno e, quase desde o princípio, o centro do poder abominável dos ditadores militares."

"Claro que a frase mais famosa do Rei Roberto, seguida
da Banda de Chico e do nome de Carmen Miranda (cuja última sílaba
repetida evocava o movimento dadá e, para mim, misturava seu nome
ao de Dadá, a famosa companheira do cangaceiro Corisco, estes dois
últimos personagens reais e figuras centrais de Deus e o Diabo na Terra do Sol), dava, de forma elíptica mas imediatamente perceptível por qualquer brasileiro que ouvisse canções (nunca foram poucos), uma reestudada geral na tradição e no significado da música popular
brasileira."

"[...] o par "Iracema" (um anagrama de América, nome da índia que
é a personagem central e titulo do belo romance oitocentista de José
de Alencar e "Ipanema" (palavra tupi que quer dizer "água ruim", nome tornado mundialmente famoso por causa da "Garota de Ipanema", de Jobim e Vinicius de Moraes) aproxima as duas praias, uma do Rio e a outra do Ceará, e as duas figuras femininas, uma do século XIX, outra do século XX, uma índia, outra branca, uma dando nome a uma praia (a praia de Iracema, em Fortaleza, foi assim batizada em homenagem à personagem de Alencar, outra tomando de uma praia seu nome (a garota de Jobim e Moraes é uma homenagem deles a Ipanema)."

Pode ser - não há relatos - que "em suas veias corre muito pouco sangue" seja uma referência ao retrato nordestino no poema Morte e Vida Severina de João Cabral ("o sangue que usamos tem pouca tinta")

"A 'mata' e a 'mulata', de qualquer modo, são duas entidades múltiplas e, posto que óbvias, misteriosas.'


"Essa é certamente uma das canções mais emblemáticas da cultura brasileira. Em seu cenário surrealista, Caetano presentifica a realidade brasileira por meio da colagem criativa de eventos, citações, rítulos e insígnias do momento [...] A primeira estrofe traz várias referências a Brasília, símbolo de realização e desenvolvimento, mas ao mesmo tempo toca na ferida do subdesenvolvimento ao contrapor: 'uma criança sorridente, feia e morte estende a mão'."
Carlos Eduardo Brandão Calvani, Teologia e MPB, página 135

 Também faz com que
 a repetição final das rimas soe como tiros de
metralhadoras
(viva a mata-ta-ta, viva a mulata-ta-ta-ta-ta),
 gargalhadas, citações do cinema (Viva Maria, um filme
de Louis Malle, de muito sucesso na época, sobre
mulheres revolucionárias da América Latina), alusões à
influência africana - "iá-iá" é "mamãe" em iorubá ('viva
Maria-iá-iá'), e sons débeis aludindo à "Banda" de Chico
 Buarque, à artista que projetou o Brasil em Hollywood
(Carmen Miranda) e ao dadaísmo ('viva a banda-da-da...')"
Carlos Eduardo Brandão Calvani, Teologia e MPB, página 136

"A música coloca um passeio como que de avião ou máquina fotográfica que provoca conhecimento do Brasil, isto é, da periferia, do litoral, do interior, do atraso, do progresso, expondo toda essa contradição."
Celso Favaretto, autor, entre outros livros, de Tropicália: Alegoria, Alegria

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